Brasil se mostra frágil para conter garimpo ilegal, diz presidente da Funai
Joenia Wapichana diz que Fundação foi sucateada por Bolsonaro e busca por mais recursos no orçamento
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Apesar da grande operação ordenada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para expulsar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, o Brasil enfrenta dificuldades para conter o tráfico de ouro, admitiu à AFP Joenia Wapichana, primeira indígena a comandar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Chefiar a entidade responsável por demarcar, vigiar e promover o desenvolvimento das terras indígenas não foi o primeiro feito de Wapichana: ela também se tornou a primeira mulher indígena a se formar advogada no Brasil e a primeira a ocupar uma vaga na Câmara dos Deputados.
Na Funai, Wapichana assumiu o cargo em meio a uma crise humanitária no território Yanomami, onde centenas de crianças morreram de desnutrição ou doenças ligadas às atividades do garimpo ilegal.
O governo do presidente Lula ordenou uma investigação policial por "genocídio" e uma grande operação militar para expulsar os garimpeiros. "A partir daí, a gente vai ter que manter uma fiscalização mais permanente e fortalecer as bases da Funai" no território Yanomami, localizado em seu estado natal de Roraima, diz Wapichana, de 49 anos, em seu gabinete em Brasília.
Sistema "imaturo"
Ao menos 30% do ouro extraído entre janeiro de 2021 e junho de 2022 no Brasil pode ser considerado irregular, segundo um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "O Brasil ainda não tem uma forma de coibir o comércio de ouro ilegal. É muito frágil", admite.
Para comercializar o ouro no país, basta declarar de "boa fé" que a origem é legal, isentando as autoridades do trabalho de verificação. O sistema "ainda é muito imaturo", diz essa mulher de longos cabelos pretos, que costuma usar cocares.
Sua missão esbarra ainda em um orçamento limitado: o Congresso destinou R$ 600 milhões à Funai até 2023, mas a maior parte desse valor é gasta com despesas administrativas, deixando apenas um sexto para tarefas-chave como demarcação e fiscalização de terras.
Para Wapichana, deveria ser pelo menos o dobro. A advogada espera obter recursos com o Fundo Amazônia, financiado principalmente por Alemanha e Noruega para a conservação da floresta tropical e ressuscitado com a volta de Lula ao poder, após ficar paralisado durante boa parte do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ela também espera ajuda do fundo aprovado na COP27 para países vulneráveis a desastres causados pelo clima, cujo operacionalidade, porém, não será imediata. "A contribuição dos povos indígenas para combater os efeitos das mudanças climáticas" protegendo a natureza "deve ser compensada", reivindica. Segundo o último censo disponível de 2010, cerca de 800 mil pessoas se reconheceram como indígenas e muitas vivem em terras protegidas, que ocupam 13,75% do território brasileiro.
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Joenia Wapichana denuncia também o "sucateamento" da Funai durante o governo Bolsonaro, defensor da abertura das terras indígenas às atividades extrativistas. Bolsonaro pôs funcionários inexperientes à frente do órgão - um militar e depois um policial - enquanto cumpriu a promessa de "não demarcar mais um centímetro de terra indígena". Além disso, impulsionada pelo aumento dos preços do ouro, o garimpo ilegal disparou nos últimos anos na Amazônia legal, com uma destruição recorde de 125 km² em 2021, segundo dados oficiais.
Bolsonaro "encorajou a entrada de invasores, negou direitos e colabora até mesmo com a discriminação contra os povos indígenas, que sofreram bastante com perseguições, criminalizações", denuncia a diretora da Funai. Reverter tudo isso é sua "missão", diz ela, que vê sua trajetória pública como uma "resistência pessoal", especialmente contra os preconceitos que as mulheres indígenas sofrem no Brasil, onde "são vistas só como domésticas e submissas". "Eu quero dizer: 'nós somos parte deste país, queremos nos sentar na mesa de igual para igual'".