Porto Alegre 250 anos: 1772-1822, o começo de tudo

Porto Alegre 250 anos: 1772-1822, o começo de tudo

Correio do Povo reconta o legado do antigo Porto dos Casais até os dias atuais da capital de todos os gaúchos

Christian Bauller

Mapa retrata como seriam as primeiras ruas de Porto Alegre nos anos de 1770

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A fundação de Porto Alegre está inserida em um processo de conquista e expansão dos domínios portugueses ao Sul do Brasil em direção ao Rio da Prata. “No período colonial, Portugal e Espanha disputavam a região, povoada por muitos indígenas”, lembra o professor e pesquisador da PUCRS, pósdoutor em História Social e Cultural da Arte, Charles Monteiro.

O povoamento começou em 1752, com a chegada de 60 casais portugueses açorianos trazidos por meio do Tratado de Madri para se instalarem nas Missões, região do Noroeste do Estado, que estava sendo entregue ao governo português em troca da Colônia de Sacramento, nas margens do rio, que ficou para os espanhóis. A demarcação dessas terras demorou e os açorianos permaneceram no então chamado Porto de Ornelas (nome do colonizador Jerônimo de Ornelas, donatário de sesmaria sobre a qual teve início o povoamento da atual capital gaúcha).

O então governador da capitania, José Marcelino de Figueiredo, mandou melhorar os caminhos que levavam até o território, também conhecido como Porto dos Casais e eleva o lugar a Freguesia de São Francisco das Chagas em 26 de março de 1772, reconhecida como a data de fundação da cidade. “Era uma estância de gado, depois povoada por aqueles casais, juntos de outras tropas, escravizados, indígenas e uma série de sujeitos diversificados e começa a ideia de um núcleo urbano”, explica Monteiro. No ano seguinte, ocorre a transferência da então capital, Província de Viamão, para a nova freguesia, que passa a se chamar Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre.

Primeiro muro

Segundo o historiador, Porto Alegre tinha tão pouca estrutura que os políticos faziam as reuniões e logo já voltavam para Viamão. “A situação era precária, a população se servia de água diretamente do lago Guaíba e não existiam calçadas. O governador manda amuralhar a Capital e implanta um plantão, impedindo que os vereadores saíssem, os obrigando a morar na Capital”, conta. Essas fortificações eram feitas de grandes toras de madeira, recobertas com barro. O engenheiro militar Alexandre José Montanha, o capitão Montanha, é o autor da planta com as primeiras ruas.

Diversas providências, como a construção do primeiro Palácio do Governo em estilo colonial, foram tomadas. Uma fase de conflitos, primeiro entre os colonizadores portugueses e espanhóis, e depois a Guerra da Cisplatina – como era conhecido o Uruguai - travada pelo Império do Brasil contra as Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina) atrapalharam o desenvolvimento de Porto Alegre. “Isso faz com que o Rio Grande do Sul se torne um lugar com muito tráfico de tropas”, acrescenta o professor.

Cidade Alta e Cidade Baixa

Charles Monteiro recorda da divisão que havia na Capital, entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa. “Os chamados ‘Altos da Praia’ eram os locais onde surgem o Largo da Matriz eoPalácio do Governo e as principais residências, a região mais arejada, ensolarada e salubre. A parte baixa, junto à Rua da Praia, é onde os barcos param, existem trapiches eolocal onde se cobram as primeiras alfândegas e tem um mercado. Naquele momento, ainda era muito precária a estrutura urbana”, frisa o historiador.

Marcos que tomam forma

Também nasciam algumas das praças mais antigas de Porto Alegre, como a Praça XV e a Praça da Alfândega. Nas cercanias, os colonos se aplicavam na agricultura e criações, que rendiam os mantimentos dos cidadãos, com destaque para a produção de trigo e farinha. Um dos mais importantes moleiros da época era Francisco Antônio da Silveira, o Chico da Azenha. Outros moinhos marcaram a memória dos porto-alegrenses, como o Moinhos de Vento.

Transformada em vila

Em 1808, a freguesia é elevada à categoria de vila e, um ano depois, a então Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul foi dividida em quatro municípios: Porto Alegre (a sede), Rio Grande, Santo Antônio da Patrulha e Rio Pardo. A vila da Capital contava com 6 mil habitantes dos 70 mil que moravam na província.

Em 1814, o novo governador, Dom Diogo de Souza, obteve a concessão de uma grande sesmaria ao Norte, com o fim expresso de estimular a agricultura local. Com o crescimento de cidades próximas como Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha e, em vista de sua privilegiada situação geográfica, na confluência das duas maiores rotas de navegação interna – a do rio Jacuí e a da Lagoa dos Patos – Porto Alegre começava a tornar-se o maior centro comercial da Província.

Em 1816, haviam sido comerciados 400 mil alqueires de trigo para Lisboa e, em 1818, venderam-se mais de 120 mil arrobas de charque, produto que logo assumiria a dianteira na economia da Província. 

Trabalho escravo e sujeira

Viajantes da época relatam que boa parte das atividades, descarregamento de barcos, limpeza e comércio, por exemplo, é desenvolvida por escravos, como ocorria em outras cidades brasileiras. “No período, os viajantes consideravam Porto Alegre suja, apesar das boas construções”, cita Monteiro.

É o exemplo do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que passou pela vila em 1820. Ele deixou um extenso e rico relato da vida na pequena urbe nas primeiras décadas do século XIX, que pode ser conferido no livro Viagem ao Rio Grande do Sul.Iniciou louvando o aspecto agradável da paisagem e o clima ameno, que lembravam as “melhores regiões da Europa”. Ao entrar na cidade, se surpreendeu com o movimento, o variado comércio e o garbo dos seus sobrados, “com o pitoresco de seus caminhos e subúrbios e com a pouca população de negros”. Mas, estranhou a pobreza dos edifícios públicos e se enojou da sujeira das ruas.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895