Saiba como cães e gatos podem doar sangue e salvar vidas em Porto Alegre

Saiba como cães e gatos podem doar sangue e salvar vidas em Porto Alegre

Entre os desafios para abrir e manter um banco de coleta de sangue de animais estão os estoques baixos, o custo elevado e a mão de obra escassa

Felipe Samuel

Natália descobriu no final do ano passado que o companheiro inseparável Theo tinha diagnóstico da doença do carrapato

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Com o isolamento social por conta da pandemia, os animais de estimação se transformaram em companhia inseparável dos donos. Em Porto Alegre, cães e gatos são cada vez mais considerados membros da família. Mas como os seres humanos, são suscetíveis a doenças que podem exigir cirurgia ou transfusão de sangue. É nesse momento que os tutores se deparam com a difícil missão de encontrar um banco de sangue.

Esse foi o drama vivido por Natália Rodrigues Barbosa, 24, ao descobrir no final do ano passado que o companheiro inseparável Theo, um cão sem raça definida de 9 anos, tinha diagnóstico da doença do carrapato. Preocupada com a evolução do quadro do animal, que em pouco tempo perdeu peso - passando de 30 para 14 quilos -, Nathália levou Theo para realizar uma bateria de exames. "A gente decidiu levá-lo ao veterinário para avaliar o que ele tinha, pois estava emagrecendo demais, demais, demais", explica. "Aí descobriram que ele tinha doença do carrapato e precisava fazer transfusão de sangue", completa.

Ela recorda que foram pelo menos três transfusões de sangue naquele período, além de uma série de medicamentos e internações para combater a evolução da doença de Theo, que ficou curado do carrapato. Mas o estado de saúde permanecia fragilizado. "Sempre que caminhava começava a cair", destaca. Com isso, Nathália decidiu procurar pela veterinária Camila Serina Lasta, que é sócia e responsável pelo Banco de Sangue Vetex Poa. "O médico disse que não sabia como é que o Theo estava vivo, porque não estava reagindo às medicações. E nem a Camila acreditava que ele ia sobreviver", relata.

Cirurgia e necessidade de transfusão

Diante desse cenário, Camila - que também é professora do curso de Medicina Veterinária da Uniritter - fez uma ultrassonografia que apontou um problema no baço do cão. A cirurgia para retirada do órgão era inevitável. "O baço dele estava 'sequestrando' as células do sangue. O baço estava muito aumentado, ocupando cerca de 80% do abdômen. Ele estava com anemia, trombocitopenia (termo utilizado para designar uma doença das plaquetas), e precisava tirar o baço. Mas ao mesmo tempo não podia fazer isso sem uma transfusão", lembra Camila. Durante o procedimento cirúrgico, Theo superou duas paradas cardíacas. "Depois disso ele ficou super bem", reforça.

A vitória de Theo e Nathália pode inspirar tutores a levarem seus pets a doar sangue. "Eu nem sabia que tinha coleta de sangue na Capital, que podia fazer cirurgia e transfusão de sangue", observa, destacando a importância do animal de estimação durante a pandemia. "Ele sempre está comigo, é meu melhor amigo. Fica vendo TV, sai toda hora para passear, dorme quando tem de dormir. Ele é meu companheiro inseparável até hoje", acrescenta.

Mão de obra escassa e alto investimento são empecilhos

Entre os desafios para abrir e manter um banco de coleta de sangue de animais estão o custo elevado e a mão de obra escassa - além dos reflexos da pandemia do novo coronavírus, que afetaram as doações. "Não tem cachorros e gatos suficientes e tutor disponível para trazer seus animais. A demanda é maior que a oferta", explica Camila Serina Lasta, que é sócia e responsável pelo Banco de Sangue Vetex Poa. Ela explica que os candidatos doadores precisam passar por uma série de exames para serem considerados aptos a doação.

"Existe mão de obra especializada por trás de banco de sangue, não é sair coletando bolsas de sangue de cães e gatos", observa. Em alguns casos, a alternativa é buscar doadores na Região Metropolitana. "Não buscamos ter lucro com banco de sangue, a ideia é que a bolsa se pague, pois tudo é muito caro: mão de obra, deslocamento", alerta, ressaltando que a 'bolsa tem que se pagar'. "Muitas vezes os candidatos não passam nos exames", salienta. A pandemia da Covid-19 também impactou nas doações, que já eram em número reduzido. Ela alerta que muitas vezes as bolsas de sangue são usadas sem necessidade real.

"A ideia é tentar trabalhar o uso racional do sangue e a captação de doadores. Se os humanos estão sempre precisando, na veterinária está mais difícil ainda. Muitas pessoas descobrem que existem quando o animal precisa", frisa. Segundo Camila, o ideal seria contar com 60 doadores por dia. "Às vezes a gente consegue canil com 12 cães com perfil para doadores, mas é bem variável. O custo é meu, mas o tutor acaba ganhando um parceiro", compara. Ela afirma que os tutores que desejam levar os pets para doar sangue precisam agendar consulta.

Doação é rápida e segura

Os interessados em levar pets para doar sangue precisam preencher um questionário. "A doação é muito rápida, mas tem que avaliar o animal primeiro. Vetex tem muitas praças por perto e sempre peço para passear com o cão durante meia hora. O animal vem e doa. Em outras situações vamos na casa da pessoa", ressalta. "Na verdade, o animal ganha uma consulta. Se os exames estiverem ok, partimos para doação", completa. Os cães rendem uma bolsa de sangue de até 450 ml. Os gatos precisam de uma bolsa de sangue personalizada de acordo com peso do animal. A coleta rende entre 50 a 70ml.

Como o banco de sangue humano, os bancos de sangue animal operam sempre no limite. "Clínicas e hospitais são nossos clientes e usam nossos serviços de maneira geral, com apoio para diagnóstico", frisa. Conforme Camila, cada banco de sangue pode colocar o preço que quiser. "Às vezes alguns colegas chegam a cobrar preços absurdos por uma bolsa, ultrapassando R$ 1 mil", salienta. Na clínica, o valor cobrado por uma bolsa de até 150 ml sai por R$ 350,00. Acima de 150ml, o valor é R$ 650,00.

"Depois da coleta de sangue, passa por fracionamento e separa esse sangue em diferentes bolsinhas, diferentes tipos de células. Cada paciente pode precisar de algumas coisas. É difícil o paciente precisar de tudo que tem no sangue, por isso é importante fracionar apenas o que ele precisa", explica. Uma bolsa de 450 ml pode se 'transformar em três ou mais bolsas'. Com uma bolsa consigo ajudar mais de três outros cães. Cães pequenos conseguir fracionar em bolsas pequeninas. Tem que dar para paciente o que ele precisa. Não vou gastar plasma para o cão que não precisa de plasma", sustenta.

Camila destaca a importância da doação de sangue. "Só quem passou por isso, de não ter sangue, sabe que é uma coisa desesperadora", afirma, lembrando que a transfusão de sangue é uma medida de emergência que 'dá tempo e mantém o animal vivo' e pode fazer a diferença.

Poucos serviços veterinários completos em Porto Alegre

Coordenadora do Laboratório de Análises Clínicas Veterinárias (Lacvet), Stella de Faria Valle afirma que são poucos os serviços veterinários oferecidos na Capital que contemplam o fracionamento e a conservação do sangue. Entre as razões para o número reduzido de bancos de sangue, ela destaca o custo elevado para adquirir equipamentos e a mão de obra escassa. "O custo é elevado, tem que ter uma capacitação técnica, aprendizado técnico de vivência para poder fazer tudo isso. Então por isso que são poucos serviços", avalia.

Como exemplo do preço elevado dos equipamentos, ela cita o preço de uma bolsa de sangue de 450 ml adquirida a partir de pregão para o Hospital de Clínicas Veterinárias (HCV). O valor da bolsa vazia saiu por R$ 48,00. Mesmo com os estoques do banco de sangue reduzidos, existem doadores assíduos. "A gente tem alguns doadores cadastrados e recruta esses doadores. De tempos em tempos, eles vêm aqui ao hospital, fazem o exame clínico, fazem a triagem. Têm aqueles doadores conhecidos que vem a cada quatro meses. Fazemos todos os exames de laboratório, confirmamos que ele está saudável, e coletamos o sangue", afirma.

Com volume reduzido dos estoques, as bolsas se destinam basicamente à rotina do HCV, com no máximo duas bolsas de sangue por mês. "A gente não tem um volume muito grande de doadores e também não tem um volume muito grande de estoque", revela. "Agora está aumentando um pouco, mas tinha períodos que eu tinha estoque de quatro bolsas, quatro unidades. Ou duas unidades pequenas e quatro grandes, isso antes da pandemia", compara. Para quem tem dúvidas sobre a doação de sangue, Stella garante que a maioria dos procedimentos feitos na medicina humana são os mesmos aplicados na veterinária.

E alerta que uma transfusão de sangue pode salvar uma vida. "A transfusão na veterinária tem a mesma prerrogativa da transfusão da medicina humana, salvar vidas. Isso é verídico, mas a maior dificuldade que a gente tem é captar doador. No nosso caso existem convênio com canis, onde vamos lá e captamos doadores", destaca, destacando que quem quiser que seu animal seja um doador pode entrar em contato pelo telefone (51) 3308-8033.

Doar sangue pode salvar vidas de cães e gatos

O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul (CRMV-RS) explica que o serviço de coleta de sangue é fundamental na Medicina Veterinária, a exemplo da Medicina Humana. O presidente da entidade, Mauro Moreira, afirma que doar sangue pode salvar a vida de cães e gatos que sofreram acidente ou foram diagnosticados com alguma doença. "Mas, assim como entre os humanos, os pets também precisam atender alguns critérios para doar e seguir uma série de recomendações antes da coleta de sangue", observa.

Moreira destaca que o primeiro passo é procurar as instituições veterinárias que contam com banco de sangue e proceder a realização de exames clínicos para avaliar se o candidato a doador apresenta boas condições de saúde. "O sangue é coletado por meio da veia do pescoço ou das patas e acondicionado em uma bolsa, da mesma forma que ocorre na doação de humanos. O processo de coleta é rápido e dura cerca de 15 minutos. Tão logo esteja encerrada a doação, o pet já pode voltar para casa", afirma.

Ele garante que o processo para doar é seguro e não provoca efeitos colaterais. De acordo com Moreira, como acontece com os humanos, o cão ou gato podem ficar um 'pouco fracos' nas primeiras 24 horas após a doação, o que é algo comum e passageiro. "Ao se tornarem doadores, cães e gatos têm como vantagem passar por um checkup de cortesia incluindo diversos exames", observa. Entre os exames estão hemograma completo e bioquímico, para avaliar função dos rins e do fígado, e testes para investigação para identificar doenças que podem ser transmitidas pelo sangue, como Leishmaniose e Micoplasmose.

Um dos maiores desafios enfrentados para a coleta de sangue é a desinformação. Para Moreira, muitos tutores desconhecem a importância da doação de sangue para os animais de estimação. Outros têm receio de que o procedimento cause algum risco ao pet. "Desde que a doação seja conduzida por um médico veterinário, não existem riscos e tampouco efeitos colaterais, pois toda doação de sangue animal é executada de forma minuciosa, obedecendo a critérios rígidos para garantir o bem-estar dos pets", reforça.

Quem pode doar:

Requisitos para cães e gatos doadores

Idade entre 1 e 8 anos

Temperamento dócil

Vacinação e vermifugação atualizadas

Controle de pulgas e carrapatos

Não apresentar doença ou transfusão prévia

Peso para cães: acima de 25kg, sendo acima de 28kg o ideal

Peso para gatos: acima de 4,5kg

Onde doar:

Vetex Laboratório Veterinário Porto Alegre
Endereço: avenida Teixeira Mendes, 862 - Três Figueiras

Blut's Centro de Diagnósticos Veterinários
Endereço: Rua Doutor Florêncio Ygartua, 429 - Moinhos de Vento

Hospital de Clínicas Veterinárias da UFRGS
Endereço: Avenida Bento Gonçalves, 9090 - Agronomia

Orientações CRMV

As principais doenças que demandam transfusão: animais hemofílicos, os que têm doenças graves no fígado; câncer, que precisam de cirurgias com previsão de grande perda de sangue; os que sofreram trauma ou atropelamento. Casos com doenças transmitidas por carrapatos como Babesiose, Erlichioise Rangeliose. Cães com Leishmaniose, inflamações ou infecções graves. Gatos com FELV

Como é feita a doação

Cães não precisam de sedação. O animal fica deitado e a veia jugular é acessada com uma agulha especial para coleta de sangue. Procedimento dura cerca de dez minutos.

Gatos recebem contenção química para garantir uma melhor experiência e segurança para o felino e para a equipe. Procedimento que dura cerca de 5 minutos.

Vantagens de ser doador

Doador recebe um check-up gratuito feito pelo banco de sangue. Além de consulta veterinária, animais fazem hemograma completo e bioquímico para avaliar função dos rins e do fígado. Também são feitos testes para investigação para identificar doenças que podem ser transmitidas pelo sangue, como Babesiose, Erlichioise, Leishmaniose, Micoplasmose, FIV e FELV. O FIV (Vírus da Imunodeficiência Felina) e a FeLV (Vírus da Leucemia Felina) são retroviroses causadoras de doenças infecciosas comuns em gatos.

Fonte: CRMV-RS


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