Fim da emergência sanitária impacta relações de trabalho
Com Medidas Provisórias deixando de valer, empresas têm de 30 a 90 dias para se adequarem
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Com o fim do status de emergência sanitária, decretado há uma semana, mudanças devem acontecer na área trabalhista. Isso porque medidas provisórias editadas pelo governo federal, alterando algumas regras com a justificativa da pandemia perdem a vigência, com um período de um a três meses para que as empresas se adaptem. MPs como 1045, 1046 e 1109, que instituem o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, definem medidas como teletrabalho, antecipação de férias e suspensão temporária dos contratos estão entre as que perdem a validade.
“Em princípio, não deve afetar muito. Voltam a valer as normas da CLT. Houve uma flexibilização de dispositivos com relação a gestantes e teletrabalho”, exemplifica o professor de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Giácomo Balbinotto Neto. Segundo ele, o que pode acontecer, caso o governo não deixe isso bastante claro, é gerar insegurança jurídica nas empresas. “Aumentar a litigiosidade não seria proveitoso em um momento de recuperação do mercado de trabalho, onde a taxa de desemprego ainda é elevada”, analisa.
Na visão da doutora em Direito do Trabalho pela USP, professora da Ufrgs, e juíza do trabalho Valdete Souto Severo, a suspensão das MPs pode ajudar o trabalhador. “Como, no caso do Brasil, todas as medidas legislativas adotadas durante a pandemia se direcionaram a precarizar ainda mais as condições de quem vive do trabalho, o impacto pode inclusive ser positivo”, acredita. Ela lembra que MPs editadas durante o estado de emergência autorizam extensão da jornada dos trabalhadores da área da saúde, redução de salário, entre outras medidas que pioram as condições de trabalho. A juíza lembra que a Covid-19 segue infectando e trazendo consequências graves e que o retorno a uma suporta normalidade expõe trabalhadores, sobretudo aqueles que atuam em contato direto com o público, a riscos.
O professor Giácomo vê como lição da crise sanitária a necessidade de leis trabalhistas mais flexíveis. “A pandemia mostrou que muitas vezes um choque exige mudanças nas legislações de trabalho de forma muito rápida, para reduzir prejuízos de empresas e evitar a perda de empregos. Então, o que essa crise nos mostra é a importância da flexibilização do mercado de trabalho e como empresas e trabalhadores se reinventam para produzir”, afirma. “Quando houver um mercado flexível, onde houver negociação entre patrões e empregados, esses ajustes podem ser feitos”, entende.
Teletrabalho segue
Medida que ganhou força, com variações entre home office, remote first - onde a empresa dá preferência para a execução de tarefas à distância, fora da sede, com trabalho eventual de forma presencial de pessoas em cargo de liderança – e híbrido, o teletrabalho deve seguir com força no pós-pandemia. A juíza Valdete explica que mesmo que as MPs deixem de valer, nem todos os trabalhadores precisarão voltar para a modalidade presencial.
“Embora o avanço da lógica do teletrabalho tenha ocorrido em razão da necessidade de distanciamento social, já havia previsão normativa viabilizando essa forma de prestação de trabalho. É possível, portanto, diante da legislação trabalhista vigente, manter regime de home office ou mesmo a forma híbrida”, diz. Valdete frisa, no entanto, a necessidade de discutir, com profundidade e seriedade o conjunto de consequências individuais e sociais dessa forma de trabalho, sem estar pautada pela emergência sanitária.
A juíza reforça o entendimento que as medidas provisórias foram precarizantes também no âmbito do teletrabalho, pois permitiram que empregados arcassem com custos do próprio trabalho como internet, computadores e móveis de escritório, impactando no salário final. Outro ponto que precisam ser debatidos dizem respeito, conforme a magistrada, ao registro da jornada e às horas extras.