Haitianos e senegaleses passam a contar com tradutores em postos de saúde de Porto Alegre
Primeira consulta com auxílio dos mediadores foi realizada na Unidade de Saúde Cohab Cavalhada, na Zona Sul, nesta quarta
publicidade
O haitiano Jian Reginald Lorquet, 39, mora há nove meses em Porto Alegre e ainda não domina a língua portuguesa. Para ajudar imigrantes como Lorquet e evitar que a barreira do idioma impeça o atendimento na rede de saúde pública, as unidades de saúde do município contam a partir desta quarta-feira com mediadores interculturais. Eles vão servir como tradutores de imigrantes haitianos e senegaleses que residem na cidade.
A primeira consulta com auxílio dos mediadores foi realizada na Unidade de Saúde Cohab Cavalhada, na Zona Sul. Com dor de cabeça e nas costas, Lorquet contou com a ajuda do tradutor haitiano Jean Júnior Thevenin, 36, para explicar os sintomas que sentia à médica da unidade. Lorquet explicou que há três dias apresentava sintomas gripais. Apesar de debilitado, aprovou a iniciativa de contar com mediadores que conhecem o idioma creole e cultura haitiana. "Estou feliz. No meu país, também trabalhava como tradutor ajudando as pessoas que não falam inglês nem francês", explica.
Morador do bairro Jardim Leopoldina, Thevenin trabalha há quatro anos como voluntário na Associação de Haitianos do Rio Grande do Sul. Formado em Educação Física, Agronomia e Letras, Thevenin ajuda a atenuar as dificuldades enfrentadas por quem busca refúgio na Capital. "Com a pandemia as coisas ficaram mais difíceis para eles, pois alguns que vieram há pouco tempo nem conseguem se comunicar ainda", destaca. "Os haitianos, que falam o idioma creole, tinham muita dificuldade para acessar o posto de saúde, principalmente os que chegaram recentemente", completa.
A enfermeira Youdeline Obas, 36, que deixou o Haiti há quase três anos e escolheu Porto Alegre para viver, também vai trabalhar como mediadora intercultural. Para Youdeline, que mora na Zona Sul da Capital, ajudar outros imigrantes será uma tarefa recompensadora. "Para mim representa muito trabalhar com as pessoas, sobretudo com meu povo que necessita de ajuda quando vai ao posto de saúde e não consegue fazer o que tem que fazer", assinala. "O problema é a barreira linguística, é o único problema que eles têm", frisa.
Experiência Inédita
A coordenadora da Área Técnica de Saúde do Imigrante da Atenção Primária em Saúde, Rita Buttes, afirma que a contratação de mediadores haitianos e senegaleses é uma experiência inédita no Sistema Único de Saúde (SUS). "Nós temos a situação em que chega um haitiano que fala apenas creole haitiano, que é sua língua materna, e não conhece o português. Então ele acaba com essa barreira para o acesso ao atendimento em saúde, que é a barreira linguística", observa. Rita ressalta que outra barreira muito importante é cultural. "Temos o SUS que é um sistema reconhecido mundialmente. Mas nem todos os países funcionam da mesma forma", frisa.
Ela explica que o mediador vai além 'de um intérprete'. "Ele vai decodificar uma cultura de cuidado em saúde de uma nação para outra. E vice-versa. Vai poder dar condições para os profissionais de saúde também fazerem acolhimento mais adequado para essa população e eles poderem acessar com qualidade", reforça, acrescentando que os atendimentos também poderão ser realizados por videochamadas. A dupla de tradutores contratada pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS) terá carga horária de 40 horas semanais. Eles vão atender em toda rede de Atenção Básica Primária em saúde na cidade.
"Se tiver consulta pré-agendada de um haitiano ou senegalês, vamos ter a possibilidade de agendá-los para estarem naquele posto de saúde ou hospital para receber a pessoa. Se tiver consulta de livre demanda, ou seja, chegou sem agendamento, a gente vai ter a possibilidade de fazer uma videochamada", assinala. Conforme Rita, mesmo sem documento CPF os imigrantes poderão contar com cartão SUS temporário até regularizar a sua situação no sistema de saúde. Ela ressalta que os novos contratados são lideranças nas suas comunidades.
Buscas
De acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, cerca de 30 mil imigrantes vivem na Capital, a maioria haitianos. Desse total, em torno de 3,3 mil (10%) têm cadastro ativo no Cartão Nacional de Saúde e podem acessar as unidades de saúde.
Entre as ações previstas, está a busca ativa de imigrantes que não acessam a rede de saúde. "A gente tem uma média de apenas 10% dos imigrantes que estão em Porto Alegre que acessam a atenção primária de saúde. O restante não, entra por outras vias, pelo hospital, pelo pronto atendimento, emergência, mas não faz a porta de entrada que é a atenção primária em saúde, que é o posto de saúde", destaca.