Cogestão acentua desgaste político do governo do RS

Cogestão acentua desgaste político do governo do RS

Ferramenta é apresentada como técnica, mas planos regionais usados para flexibilizações carecem de dados

Flavia Bemfica

Cogestão acentua desgaste político do governo do RS

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Há meses no centro dos debates sobre as políticas de enfrentamento ao coronavírus no RS, a cogestão, mecanismo no qual prefeituras podem adotar protocolos de bandeira mais branda do que aquela que recebem semanalmente no modelo de Distanciamento Controlado, se tornou um foco de desgaste político para o governo de Eduardo Leite (PSDB), que enfrenta de novo dificuldade para manter o controle sobre o sistema. A começar pelo prefeito da Capital, Sebastião Melo (MDB), parte dos gestores municipais e entidades empresariais pressiona por mais flexibilizações, enquanto especialistas das áreas da saúde e da matemática alertam para o alto risco que elas embutem. E os questionamentos chegaram ao Judiciário.

Ante as informações divergentes, a população tenta entender quais são, para além do embate político, os critérios científicos utilizados pelos municípios para aplicar protocolos de bandeiras mais brandas. E se pergunta como, se os sucessivos afrouxamentos das normas são fundamentados em dados de segurança e prevenção, o sistema de saúde do RS se esgotou.  

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Em tese, a cogestão é sustentada por um pilar técnico, os chamados Planos Estruturados de Prevenção e Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 Regionais, também conhecidos como planos estruturados próprios. Eles funcionam como uma espécie de garantia de que os municípios se apoiam em indicadores consolidados para permitirem o afrouxamento de medidas de restrição à circulação e ao funcionamento de atividades. O governo estabeleceu como condição básica que eles tragam “medidas de proteção à saúde pública devidamente embasadas em evidências científicas, através de critérios epidemiológicos e sanitários.” Precisam ser firmados por responsável técnico e observar peculiaridades locais.

Uma consulta aos documentos e atualizações enviados pelas cidades, aceitos pelo Gabinete de Crise e disponíveis no sítio do Distanciamento Controlado na web, contudo, aponta para uma série de lacunas sobre as evidências e critérios usados. O que a maior parte das centenas de páginas dos planos traz são repetições de tabelas, recomendações e protocolos já detalhados nas normas estaduais, apresentados com diferentes layouts e declarações assinadas por prefeitos conforme modelo padronizado. Há pareceres com interpretações distintas para dados estaduais, que projetam estabilizações ou quedas em números da pandemia sem a identificação da metodologia das constatações. E aqueles que se apoiam em indicadores de um, e não do conjunto de municípios em cogestão na região.

Mas faltam dados e informações que são a base do modelo de Distanciamento Controlado estadual, como os monitoramentos das adesões aos protocolos; a identificação e aplicação dos gatilhos de controle para barrar o avanço da transmissão; a apresentação de modelos matemáticos e epistemológicos alternativos que projetem evoluções da pandemia, simulações de estresse e pressões sobre o sistema de saúde diversas daquelas existentes nos cálculos do governo estadual; ou detalhamentos dos impactos nas segmentações por regiões ou setores da economia.

Não é difícil encontrar nos documentos justificativas semelhantes aquelas usadas por prefeitos em discursos e embates políticos. No Plano Regional da Região 10 (que abrange Porto Alegre, Alvorada, Cachoeirinha, Glorinha, Gravataí e Viamão), por exemplo, os prefeitos reafirmam na atualização de março um entendimento que constava na complementação anterior, de janeiro. O de que, ante a crise sanitária, “o principal norte da política de enfrentamento da R10 é flexibilizar com responsabilidade.”

Conforme os gestores, “isso ocorre por meio da permissão do funcionamento do maior número possível de setores econômicos, preservando o emprego e a renda da população.” Na sequência, ressalvam que haverá intensificação dos protocolos sanitários, de distanciamento e fiscalização. Também adiantam, sem apresentar projeções, que, “caso a R10 venha a ser classificada em nova bandeira, os municípios, desde já, aprovam a adoção, como parâmetro mínimo, das medidas segmentadas da bandeira imediatamente anterior.” Apesar de as justificativas serem as mesmas, elas tratam de cenários diversos. Em janeiro, eram usadas para defender a passagem da bandeira vermelha para a laranja e, em março, da preta para a vermelha.

Já o plano de Santa Maria (R1 e R2, com 32 cidades em cogestão) informa que os dados coletados (em Santa Maria) apontam “que o maior número de risco de contaminação, por quebra de protocolos de segurança” estaria ocorrendo “em aglomerações de festas clandestinas, bares noturnos e vias públicas, e não no comércio geral, evidenciando que a propagação do vírus não se dá nos estabelecimentos comerciais.” O que embasa as conclusões são, conforme o documento, “registros de denúncias no CIOSP e no site institucional do município.”

Há planos, como o da Serra (R23, R24, R25 e R26, com 49 cidades em cogestão), que detalham levantamentos regionais e estabelecem travas com o objetivo de evitar o colapso na saúde. Os dados da Serra, contudo, constam como atualizados pela última vez em fevereiro, antes do retorno da cogestão e da obrigatoriedade de reformulação dos planos estruturados regionais em função de o governo ter tornado mais rigorosos os protocolos de bandeira vermelha. Para outras 12 regiões ou agrupamentos de regiões também não constam planos atualizados em março. E, em duas, as revisões ocorreram antes da data a partir da qual o governo anunciou a necessidade de reformulações conforme os novos protocolos.


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