Entenda o que muda com a Reforma Tributária, aprovada pelo Senado
Proposta volta para a Câmara, e a intenção do governo é que a PEC seja promulgada ainda neste ano
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Aprovada na noite dessa quarta-feira, a proposta de emenda à Constituição da Reforma Tributária foi alterada pelos senadores e agora retornará para uma segunda análise dos deputados. A expectativa do governo federal é de promulgar o texto até o fim deste ano. A PEC é uma proposição legislativa que altera a Constituição Federal e não precisa de sanção do presidente da República. O tema é discutido no Brasil há pelo menos 40 anos.
As votações de leis complementares que vão regulamentar a reforma ocorrerão somente no próximo ano. A definição de alíquotas, a dos itens a ser incluídos na cesta básica para receber isenção e a dos produtos que terão Imposto Seletivo aplicado são temas que ainda precisarão ser solucionados.
Pelo texto aprovado, o Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.
Conforme a Agência Senado, o Brasil adotará um novo sistema baseado no conceito de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), usado por mais de 100 países, que, segundo o relator da matéria, senador Eduardo Braga (MDB-AM), traz mais simplicidade aos processos, reduz a burocracia e acaba com a cobrança de impostos sobre impostos, o que encarece produtos e serviços.
Os impostos federais IPI, PIS e Cofins serão transformados na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Já o imposto estadual ICMS e o imposto municipal ISS serão unificados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A tributação será feita apenas no local de destino, o objetivo é acabar com a chamada “guerra fiscal” entre os estados.
Haverá ainda o Imposto Seletivo (IS), conhecido também como “imposto do pecado”. O IS vai substituir o IPI e será usado como desincentivo a produtos e serviços prejudiciais à saúde, como bebidas e cigarros, e à “sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono”.
O IS incidirá obrigatoriamente sobre armas e munições (exceto para a administração pública) e não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações.
Segundo estudo da Consultoria Legislativa do Senado, não se trata de mera troca de nomes: o IBS e a CBS podem resolver alguns dos principais problemas do Sistema Tributário Nacional, entre eles a tributação “em cascata”, em que um mesmo imposto é pago várias vezes durante o processo de produção ou de comercialização do mesmo bem.
Modernização
Os novos impostos não serão cumulativos. Isso significa, por exemplo, que o imposto pago por um vendedor de algodão será abatido do imposto pago pelo fabricante de camisetas que comprou o algodão. Atualmente, cada etapa paga o imposto cheio. Assim, em cada etapa, o cálculo do imposto acaba incluindo o que as etapas anteriores já pagaram de imposto.
Carga tributária não aumenta
Pelos cálculos do relator da reforma tributária no Senado, o país não terá aumento da carga tributária. Para garantir isso, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) criou uma “trava de referência” para que os novos tributos possam ser diminuídos em 2030 e 2035 caso haja aumento da carga tributária.
Em 2030, a CBS será reduzida se a receita com CBS e IS como proporção do PIB, medida em 2027 e 2028, for maior que a média da arrecadação do PIS/Pasep, Cofins e IPI de 2012 a 2021, na proporção do PIB. Em 2035, a CBS e o IBS serão reduzidos se a receita com CBS, IBS e IS, proporcional ao PIB, medida entre 2029 e 2033, for menor que a média da arrecadação com PIS/Pasep, Cofins, IPI, ISS e ICMS de 2012 a 2021, na proporção do PIB.
Cesta básica mais barata
A Cesta Básica Nacional de Alimentos será livre de impostos. Haverá uma cesta básica estendida, com pequena tributação. A definição sobre os produtos das duas modalidades de cestas será feita posteriormente, em lei complementar. A definição dos alimentos da cesta básica deverá considerar a diversidade regional e cultural da alimentação e garantir alimentação saudável e nutricionalmente adequada.
Dinheiro de volta
Mecanismo inédito no Brasil, o chamado cashback fará o Poder Público devolver parte do imposto pago por famílias de baixa renda. Poderão gerar cashback produtos da cesta básica ampliada, energia elétrica e botijão de gás.
Menos imposto
Poderão ter isenção total de CBS e IBS:
- Cesta Básica Nacional de Alimentos;
- produtos hortícolas, frutas e ovos;
- serviços de saúde, dispositivos médicos e de acessibilidade para portadores de deficiência;
- medicamentos;
- produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
- serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos;
- compra de automóveis por taxistas;
- compra de automóveis por pessoas com deficiência ou no espectro autista;
- aquisição de medicamentos e dispositivos médicos pela administração direta, autarquias e fundações públicas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como pelas entidades de assistência social;
- atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.
Poderão ter redução de 60% na CBS e no IBS:
- serviços de transporte público coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semi-urbano e metropolitano;
- alimentos destinados ao consumo humano;
- produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda;
- produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
- insumos agropecuários e aquícolas;
- produções artísticas, culturais, de eventos, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional;
- bens e serviços relacionados à soberania e à segurança nacional, da informação e cibernética;
- Cesta básica estendida.
O ProUni terá 100% de desconto na CBS. Profissionais liberais (serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desde que sejam submetidas a fiscalização por conselho profissional) terão redução de 30% da CBS e do IBS. Todos esses benefícios poderão ser reavaliados a cada 5 anos.
Fundo de compensação
A criação do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais tem como objetivo compensar, até 31 de dezembro de 2032, as pessoas jurídicas beneficiárias de isenções e incentivos fiscais associados ao ICMS, que será substituído pelo IBS. Essas isenções fazem parte de uma estratégia utilizada pelos estados para atraírem empresas e investimentos.
Como um dos pilares da reforma é a tributação apenas no local de consumo, e não mais no local de produção e de consumo como é hoje, a guerra fiscal deverá perder força. Além da permissão de cobrar contribuição de iluminação pública, já existente, o texto aprovado permite também que municípios e DF criem contribuição para o custeio, a expansão e a melhoria de sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos.
De 2025 a 2032, a União destinará ao fundo os seguintes valores:
- em 2025, R$ 8 bilhões;
- em 2026, R$ 16 bilhões;
- em 2027, R$ 24 bilhões;
- em 2028 e 2029, R$ 32 bilhões;
- em 2030, R$ 24 bilhões;
- em 2031, R$ 16 bilhões;
- em 2032, R$ 8 bilhões.
Regimes específicos
A PEC aprovada determina que lei complementar poderá dispor sobre regimes específicos de tributação para:
- combustíveis e lubrificantes;
- serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos;
- sociedades cooperativas;
- serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e de turismo, bares e restaurantes;
- atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol;
- aviação regional;
- operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive referentes a missões diplomáticas, repartições consulares, representações de organismos internacionais e respectivos funcionários acreditados;
- serviços de saneamento e de concessão de rodovias, serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo;
- operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações;
- operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica, inclusive, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE);
- bens e serviços que promovam a circularidade da economia e a sustentabilidade no uso de recursos naturais.
Alíquota máxima
O texto aprovado pelo Plenário não define o que se pode chamar de alíquota máxima da CBS e do IBS, ou seja a alíquota a ser cobrada dos setores não beneficiados com isenções. Os dois impostos serão instituídos por lei complementar. A alíquota da CBS (federal) poderá ser fixada em lei ordinária. A alíquota do IBS será determinada por estados e municípios. Estimativa feita pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, levou em conta, segundo ele, o grande número de setores favorecidos por isenções. Como o governo não pode ter perda de arrecadação, a alíquota máxima, estimada em 27,5%, compensaria as exceções previstas na PEC.
Fundo de Desenvolvimento Regional
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) terá como objetivo compensar estados que terão prejuízos com o fim da guerra fiscal, já que não poderão criar benefícios fiscais para atrair investimentos. O fundo buscará reduzir discrepâncias de desenvolvimento entre os estados.
O FNDR terá aportes da União, que serão entregues aos estados para investimentos em estudos, projetos e obras de infraestrutura; fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras; ações de desenvolvimento científico e tecnológico e inovação. Na aplicação dos recursos do FNDR, estados e DF priorizarão projetos que prevejam ações de preservação do meio ambiente.
A união colocará dinheiro no fundo de maneira gradativa: R$ 8 bi em 2029, R$ 16 bi em 2030, R$ 24 bi em 2031, R$ 32 bi em 2032 e R$ 40 bi em 2024. A partir daí, a alocação crescerá R$ 2 bi por ano, chegando a R$ 60 bilhões em 2043. Os critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE) serão usados para distribuir 70% dos recursos do fundo; o restante será distribuído com base no número de habitantes.
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Comitê Gestor
O Comitê Gestor do IBS será uma entidade pública sob regime especial, com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira. Terá 27 membros representando cada estado e o Distrito Federal; outros 27 membros representando o conjunto dos municípios (14 representantes escolhidos de forma igual entre os municípios e 13 considerando o tamanho da população).
O presidente do Comitê Gestor terá que ser aprovado em sabatina no Senado. Poderá ser convocado para prestar informações às Casas do Congresso. O comitê terá funções normativas e administrativas e será responsável pela arrecadação do IBS e consequente distribuição aos estados, Distrito Federal e municípios.
Caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) processar e julgar os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor.
Bens de luxo
Permite a cobrança de tributo sobre uso de bens de luxo, como aviões particulares, helicópteros, jatinhos, iates e jet-skis, o que não ocorre atualmente. A ampliação não alcança aeronaves agrícolas e embarcações de transporte aquaviário e de pesca.
Meio Ambiente
A reforma inclui na Constituição novos dispositivos tributários para reforçar a preservação ambiental. Haverá um IBS Ecológico, com critérios ambientais, e imposto sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Os biocombustíveis (inclusive o hidrogênio verde) continuarão a ter menos imposto que os combustíveis fósseis.
Também poderá ser criado, por lei complementar, o Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá, para fomentar o desenvolvimento e a diversificação das atividades econômicas dos estados que têm áreas de livre comércio.
Igrejas e templos
O texto aprovado altera o art. 150 da Constituição para proibir o Poder Público de instituir imposto sobre “entidades religiosas, templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes”. Atualmente, a Constituição diz apenas “templos de qualquer natureza”.
Evolução do IVA
O mundo começou a adotar impostos tipo IVA na década de 1960, em países como França, Alemanha e Dinamarca. Com este sistema, o consumidor saberá exatamente quanto estará pagando de impostos no preço final de um produto.
Transição
Os novos impostos serão completamente instituídos apenas em 2033. As regras para distribuição do IBS aos estados e municípios durarão 50 anos. O IBS será implementado gradualmente e os tributos substituídos serão reduzidos até serem extintos.
Quanto à CBS, praticamente não haverá período de transição. A contribuição será cobrada com uma alíquota de 0,9% em 2026, apenas para que se possa observar seus efeitos sobre a arrecadação, e com alíquota plena a partir de 2027.
Para suavizar a transição aos entes federativos, o texto prevê a retenção de parte da arrecadação do IBS para distribuir entre os entes que tiverem a maior perda de recursos.
Indústria automotiva
A reforma prevê instrumentos que buscam combater a desigualdade no desenvolvimento regional e econômico nos estados. Um deles, alvo de divergências entre os parlamentares, foi a prorrogação de benefícios fiscais do IPI para indústrias automobilísticas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste até dezembro de 2032.
Executivo
De acordo com o Ministério da Fazenda, a reforma tributária pode gerar crescimento adicional da economia de 12% a 20% em 15 anos e gerar mais desenvolvimento para agronegócio, indústria e serviços. Segundo o governo, as mudanças aprovadas poderão gerar de 7 a 12 milhões de novos empregos e aumentar o poder de compra de todas as faixas de renda, em especial dos mais pobres.
Outros tributos
Os impostos estaduais IPVA e ITCMD e os municipais IPTU e Contribuição sobre Iluminação Pública também terão mudanças. O IPVA poderá ter alíquotas diferentes em função do valor e do impacto ambiental do veículo. Haverá IPVA para barcos e aviões de uso particular.
O ITCMD terá mais progressividade, com base no valor da doação ou herança, observada a alíquota máxima a ser definida por resolução do Senado. Os estados poderão cobrar o imposto sobre doações e heranças nas situações em que o doador, o donatário ou os bens estejam no exterior, o que hoje não é permitido.