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Modelo de concessão que é inspiração para caso do Dmae é alvo de reclamações no RJ

Leilão da Cedae, realizado em 2021, foi dividido em quatro blocos regionalizados, adquiridos por três grupos empresariais

Em 2021, três empresas arremataram quatro blocos da Cedae, totalizando mais de R$20 bilhões
Em 2021, três empresas arremataram quatro blocos da Cedae, totalizando mais de R$20 bilhões Foto por: Rogério Santana/Governo do Estado do Rio de Janeiro/CP

O modelo de privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) foi implantado em 2021 com o objetivo de universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico, conforme a meta do Marco Legal de Saneamento, que prevê o atendimento de 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgotos até 2033. No caso do RJ, com a privatização, os serviços de distribuição da água, coleta e tratamento de esgoto e gestão comercial foram concedidos a três empresas. A captação e o tratamento da água continuam com a Cedae. Segundo declarações do prefeito Sebastião Melo (MDB), o modelo carioca é a inspiração para o projeto que prevê a concessão parcial dos serviços do Departamento Municipal de Água e Esgotos de Porto Alegre (Dmae). 

Sobre a principal semelhança entre os modelos de Porto Alegre e do Rio de Janeiro, o ex-presidente e fundador do Instituto Rio Metrópole (IRM), autarquia responsável pela aprovação da modelagem da concessão, distribuições financeiras, audiências e consultas públicas e elaboração do edital e dos contratos, Bernardo Santoro disse que “está no fato de conceder apenas a distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto ao setor privado, serviços que demandam muitos investimentos que o poder público não tem capacidade financeira de cumprir. Já a captação e tratamento de água permanecem com o poder público, por ser uma questão de segurança hídrica e demandar menor investimento.”

Condutor do processo de concessão, o secretário da Casa Civil do governo do RJ, Nicola Miccione, avalia positivamente os impactos ambientais da concessão até o momento, citando que “a Lagoa Rodrigo de Freitas está mais limpa e sem registros de mortandade de peixes, a Praia de Botafogo que aparece própria para banho em boletins seguidos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e a inocorrência de geosmina no último verão”. Segundo ele, já foram gerados mais de 10 mil empregos.

Contestações

Em comparação com o início de 2022, porém, logo após a concessão, o Procon-RJ registrou um número 564% maior de reclamações contra a concessionária Águas do Rio, que pertence a um dos consórcios que exploram os serviços concedidos no Rio. A alta de reclamações se deu principalmente após uma nova leva de troca de hidrômetros por modelos digitais. 

Ary Girota, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Niterói (Sindágua-RJ), diz que o sistema de saneamento “já está dando problemas” no estado e que a maioria das reclamações dos consumidores não ocorria quando a Cedae era a única administradora. Citando o exemplo de Niterói, que desde 1999 tem os serviços de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto concedidos, Girota alega que o município ainda tem “valões de esgoto” nos seus rios e canais. “A história vai contar e mostrar que foi um crime”, afirma, sobre a forma como foi conduzido o processo no Estado do Rio. 

A concessão dos serviços no Estado carioca foi dividida em quatro blocos, que abrangem regiões diferentes, sendo adquiridos por três grupos empresariais. Sobre isso, o presidente do Sindágua-RJ afirma que apenas a Cedae, como órgão público, tinha condições de manobrar e equilibrar o sistema integrado de abastecimento. “A iniciativa privada investe onde dá retorno, não onde precisa”, ressalta, considerando ser “uma falácia” a promessa de que o prazo do Marco Legal de Saneamento será cumprido após o repasse à iniciativa privada.

De acordo com os agentes do Procon-RJ, após a concessão da Cedae, as empresas voltaram a adotar uma maneira de cobrança vedada pelos tribunais e prejudicial ao consumidor final, por uma estimativa de consumo. O órgão afirma que a cobrança da tarifa de água e esgoto deve refletir sobre o consumo real aferido e instaurou uma averiguação preliminar contra as empresas Águas do Rio, Iguá e Zona Oeste Mais.

A Assembleia Legislativa do Rio tentou travar a realização do leilão e chegou a votar um projeto de lei para impedir o processo de concessão, mas a continuidade foi garantida por um decreto do governador Cláudio Castro (PL). A principal justificativa dos deputados contrários à abertura da Cedae era em relação à adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal, que ainda não tinha ocorrido. Em contramão, os apoiadores do governo argumentaram que o Regime já havia sido regulamentado e que o retorno era uma questão temporária, logo não haveria motivos para impedir o leilão.

Processo de concessão da Cedae

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dividiu o leilão em quatro blocos, com outorga mínima de R$10,6 bilhões. Na ocasião, em abril de 2021, a companhia Aegea arrematou dois blocos (1 e 4) e a Iguá Saneamento adquiriu um (2), angariando um valor total de R$22,7 bilhões. Em dezembro do mesmo ano, a concessionária Águas do Brasil arrematou o último bloco (3) pelo valor de R$2,2 bilhões. 

O fundador do IRM explica que cada bloco é dividido entre partes da capital, da Região Metropolitana e do interior do Estado, “para que houvesse um balanço em cada bloco, fazendo a distribuição da água e a coleta e tratamento de esgoto.”

O primeiro lote inclui a Zona Sul da capital e 18 cidades, como São Gonçalo e Maricá; no segundo, as regiões da Barra e Jacarepaguá e os municípios de Miguel Pereira e Paty dos Alferes; o terceiro bloco é formado pela Zona Oeste do Rio de Janeiro e seis cidades; e o quarto pelo Centro e Zona Norte da capital e por oito cidades, incluindo Belford Roxo, Nilópolis e Duque de Caxias.

O projeto do Dmae

Ainda sem previsão de envio à Câmara de Porto Alegre, o projeto de concessão parcial do Dmae segue mobilizando os vereadores. No último dia 11, o prefeito Sebastião Melo (MDB), acompanhado do vice-prefeito Ricardo Gomes (PL) e da direção-geral da autarquia, apresentou o desenho da “parceirização”, como intitula, para os vereadores da base aliada, com o objetivo de atrair o número de votos necessários para a sua aprovação. No dia seguinte, Bernardo Santoro, do IRM, ministrou uma palestra na Câmara dos Vereadores sobre o caso, à convite da vereadora Comandante Nádia (PP).

O projeto visa o repasse para a iniciativa privada das áreas de coleta e tratamento de esgoto, distribuição de água e gestão comercial do Dmae por um período de 30 anos, mantendo sob administração pública a coleta e o tratamento de água. A inspiração do governo é o modelo de concessão adotado pela Cedae. Em 2021, uma comitiva de Porto Alegre foi para o Rio de Janeiro para discutir a modelagem.

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*Supervisão Mauren Xavier

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