Abastecimento de fertilizantes desafia o agro

Abastecimento de fertilizantes desafia o agro

Tema pautou muitos debates na Expodireto Cotrijal porque plantio da safra 2022/2023 pode ser feito com escassez dos insumos caso o Brasil não encontre mais fornecedores e não consiga ampliar rapidamente sua produção interna

Felipe Faleiro

Participação dos fertilizantes estrangeiros no Brasil aumentou de 77% em 2018 para 85% em 2021, segundo dados da Anda

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Os fertilizantes representam um item essencial para o crescimento das lavouras. Detentor de uma área plantada de cerca de 70 milhões de hectares, o Brasil consome atualmente 8,5% da produção global, ocupando a quarta posição entre os consumidores destes produtos. Também é o maior importador do planeta, tendo a Rússia, de quem compra um quarto do que necessita, como maior fornecedora. Se somado ao de Belarus, o fornecimento de potássio dos dois países ultrapassa 50% do que é utilizado no Brasil.

Nos últimos anos, a tendência foi de crescimento das importações, denotando a dependência do produto consumido em solo brasileiro. Dados da Insper Agro Global, a partir de informações da Associação Nacional para a Difusão de Adubos (Anda), mostram que a participação do fertilizante estrangeiro no Brasil aumentou de 77% em 2018 para 85% em 2021. Foram 10 milhões de toneladas importadas em 2000 e 42 milhões em 2021. No período, a participação do produto nacional caiu de 23% para 15%. A produção no Brasil também caiu, de 8,1 milhões de toneladas em 2018 para 6,4 milhões de toneladas no ano passado.

Os fertilizantes foram um dos grandes objetos de discussões na Expodireto Cotrijal 2022. É que surgiu uma situação inesperada e que requer atenção: a guerra entre Rússia e Ucrânia. Mas as situações adversas decorrentes de gargalos logísticos já ocorriam antes dela, como o aumento de preços do transporte internacional.

“Já vínhamos com problemas de fertilizantes, que não foram causados pela guerra. Os países já estavam direcionando produtos para seus mercados internos, se recusando a exportar. Além disso, alguns tiveram também problemas de oferta”, avalia o professor sênior de agronegócio global do Insper e coordenador do centro Insper Agro Global, Marcos Sawaya Jank.

De acordo com Jank, a guerra foi um fator de complicação, e o Insper avalia que há riscos reais de desabastecimento (veja entrevista na página seguinte). A posição é reforçada pelo economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz. “Nós estamos nos preparando para um ano de escassez de fertilizantes”, admite, apontando que há alternativas no mundo, inclusive no Brasil, que, segundo o economista, poderia explorar mais seu potencial. “Todos olham mais para o Canadá, Egito, Marrocos, países que poderiam eventualmente ampliar sua produção e com isso aumentar um pouco a oferta global”, observa Da Luz. “Mas não se pode aumentá-la do dia para a noite.”

Empresas

Indústrias do setor que participaram da Expodireto também avaliam o situação. “A Yara Internacional e a Yara Brasil estão monitorando todos os cenários e desdobramentos desta situação e buscando alternativas para mitigar ao máximo as implicações na cadeia de valor do alimento, valendo-se de sua atuação global e de sua robusta rede de fornecedores”, disse a empresa, em nota.

A Mosaic, também em nota, afirmou que “lamenta o que está ocorrendo no cenário geopolítico internacional e está atenta aos impactos nos mercados nacional e internacional de fertilizantes, analisando cautelosamente para atender da melhor forma as demandas locais”.

O presidente Jair Bolsonaro esteve na Rússia pouco antes da guerra. Entre as principais pautas, o fornecimento de fertilizantes. Conforme o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Brasil tem produtos suficientes para o plantio até outubro.

Embrapa

A Embrapa está estudando alternativas para aumentar a eficiência do plantio com o menor uso desses produtos, além de pesquisar formas de aumentar a produção de bioinsumos, fertilizantes organominerais, nanotecnologia e agricultura digital.

“O Brasil precisa tratar esse assunto como segurança nacional e segurança alimentar”, disse no início deste mês a ministra Tereza Cristina. O plano do governo federal para a área é levar o Brasil a aumentar a produção de fertilizantes consumidos no país para até 60%. O professor Jank, do Insper, avalia que a iniciativa é “superimportante”, embora não resolva o problema deste ano e do ano que vem. 
Já Antônio da Luz, da Farsul, diz que o plano tem uma grande chance de dar certo se enfrentar o problema de aumentar a oferta interna produzindo mais no Brasil. “Agora, se o foco for tributar mais o importado para que o interno ganhe mais competitividade, esse plano vai repetir os anteriores, e fazer meia dúzia de pessoas ricas à custa da pobreza de milhares”. adverte.

“Impacto no trigo, milho e óleos é mundial”

Em entrevista ao CP durante a Expodireto, Marcos Sawaya Jank, coordenador do Centro Insper Agro Global, analisou os efeitos da guerra na Europa para a agroindústria e como o Brasil pode buscar soluções alternativas para seus negócios

Para Jank, a solução de curto prazo é reduzir a dependência de matérias-primas da Rússia e Belarus. Foto: Guilherme Almeida

Qual a visão que o senhor tem da Expodireto Cotrijal?
É um evento espetacular. A cidade é pequena, mas a feira está no padrão das melhores do mundo. Visitei muitas pelo mundo afora, e aqui tem o que há de melhor. É o símbolo deste Brasil que dá certo. Aqui você tem as duas coisas mais importantes: tecnologia e gente. Vim aqui quando isto tudo era terra ainda. A primeira feira não tinha esta beleza de hoje.

Diante do contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia, como o Brasil pode diminuir sua dependência do fertilizante importado?
A solução de curto prazo é a gente diminuir a atual dependência de matérias-primas da Rússia e Belarus, que também são fornecedores do fertilizante para o Brasil, e encontrar outros que possam nos ofertar matérias-primas a preços competitivos. Rússia e Ucrânia são concorrentes nossos, e cada vez mais vão concorrer com a gente. Eles também têm, cada vez mais, tecnologia. Estão se tornando autossuficientes em tudo e exportam coisas que a gente exporta. E hoje a gente depende em 85% do fertilizante importado. Só 15% é nacional.

Na recente visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, um dos principais assuntos abordados por ele foi os fertilizantes. Na sua opinião, esta foi uma atitude certeira por parte do presidente brasileiro?
Acho que a ida do presidente à Rússia para tratar de fertilizantes foi correta. Pelo que sei, não estamos sofrendo nenhum problema de não-entrega para o Brasil. A Rússia fez uma lista de países que eles não vão atender, mas o Brasil não está nela. Então o fertilizante continuará chegando, a princípio. Se não houver fertilizante na região tropical, se houver uma quebra por um problema de abastecimento, a produtividade vai cair.

De forma geral, como o mercado de grãos no Brasil é afetado pela guerra?
O impacto no trigo, milho e óleos vegetais é mundial. Eles são grandes fornecedores de vários países. Rússia e Ucrânia representam quase 30% da exportação mundial de trigo. Se tiverem problemas para entregar, os preços vão melhorar e o Brasil pode exportar mais. Em relação à produção doméstica, uma parte pequena está sendo exportada, mas pode crescer. Se as chuvas forem boas, a safra de inverno de trigo vai se beneficiar desta situação de um eventual problema de abastecimento a partir da Rússia e Ucrânia.

O Brasil deve se preparar para uma desaceleração econômica da China, hoje nosso maior cliente?
A China, historicamente, crescia a taxas acima de 10% ao ano. Passou a crescer menos, por causa do impacto da pandemia, dos problemas que eles tiveram de bolhas imobiliárias. Logo no começo da pandemia, com o lockdown profundo que fizeram, afetou a economia. A situação de guerra Ucrânia e Rússia eu não acho que neste momento seja um problema global, ele é um problema regional, ou até bilateral. Agora, se isto se estender para fora do limite dos dois países, vamos dizer que o Putin resolva invadir outras nações que já foram da União Soviética, que ele se desentenda com os Estados Unidos, que a China se alie a ele, aí será um desastre para a economia mundial. Acho que não haveria muitos ganhadores, e teríamos perdedores. Não vejo a China, particularmente, caindo por causa disto. Mas, se houver uma guerra maior, vai afetar o Brasil e todo mundo.


Correio do Povo
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