Renovação nas apresentações do mel
Maior produtor do Brasil, com mais de 9 mil toneladas em 2022, Rio Grande do Sul vem buscando a valorização do mel, com investimentos na qualidade do alimento e embalagens mais atraentes para o consumidor
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Poucos ingredientes naturais estão presentes há tanto tempo na história da humanidade quanto o mel. Mencionado em diversos trechos bíblicos, o alimento dourado resultante do trabalho das abelhas é provavelmente o mais antigo adoçante conhecido e garantiu seu espaço nas mesas do mundo inteiro graças aos reconhecidos benefícios à saúde. A despeito de sua antiguidade, esse ingrediente milenar não escapa das ondas de renovação que de tempos em tempos movimentam praticamente todos os segmentos de mercado. No Rio Grande do Sul, apicultores vêm investindo na valorização do produto, com foco em variedades de qualidade diferenciada e design de embalagens mais atraente.
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Maior produtor de mel do país, o Rio Grande do Sul respondeu em 2022 por mais de 9 mil toneladas do item, cerca de 15% no total nacional, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os preços de exportação, no entanto, caíram 14,5% de janeiro a agosto deste ano frente ao mesmo período de 2022, para a média de 3,19 dólares por quilo, de acordo com dados da plataforma Comex Stat, do governo federal. Um cenário que contribui para derrubar os preços no mercado interno e tem levado os apicultores a segurar os estoques, diz o secretário executivo da Federação Apícola do Rio Grande do Sul (Fargs), Patric Luderitz. A previsão de chuvas frequentes e intensas nos próximos meses, em razão do El Niño, também preocupa o setor. “Estamos com muito mel estocado no Estado hoje. Existe a possibilidade de, neste início de temporada, termos uma quebra de produção”, afirma Luderitz.
É em meio a esse contexto desafiante, segundo o dirigente, que os apicultores gaúchos exploram cada vez mais a produção nos chamados méis monoflorais – quando a maior parte do néctar usado pelas abelhas vem de flores de uma mesma espécie. Os tipos de flores predominantes nessa composição são detectados em análises polínicas. “É isso que alguns estão procurando hoje: floradas específicas, que (resultam em) um diferencial no aroma, no sabor, na qualidade do mel. Eles também estão investindo muito em potes e rótulos mais bonitos”, destaca Luderitz. Além do esforço por chamar atenção do consumidor, uma tendência observada no setor é o uso crescente do e-commerce para a venda dos produtos, que não estão mais restritos aos supermercados e lojas físicas.
O engenheiro agrônomo Luis Fernando Wolff, pesquisador da Embrapa Clima Temperado, de Pelotas, atesta que o mercado do mel vem passando por mudanças. O mote, explica, é evitar a padronização do produto. “A gente está assistindo a alguns empreendedores buscando qualidade superior e associando isso a uma determinada marca. Não é só uma questão de ser natural, e sim de ser especial”, explica. Segundo o pesquisador, esse movimento já ocorreu em setores como as indústrias de vinhos, carnes e azeites de oliva. “A produção de vinho, por exemplo, tem uma possibilidade de sofisticação muito grande. Se você prestar atenção à maneira como se faz o vinho, à época em que colheu a uva, à variedade, então começa (a haver) indicações geográficas e determinação de vinhos. Isso é muito bom, a especialização de empreendedores”, diz Wolff.
O apicultor Gianmateu Schommer, de Maratá, encontrou no mundo das abelhas a chance de unir sua forte conexão com a natureza a uma atividade profissional promissora. Após trabalhar uma década como representante comercial, viajando frequentemente e tendo de lidar com o afastamento dos familiares e amigos, decidiu mudar de vida e pesquisou na internet sobre alimentos naturais. “Descobri uma coisa muito interessante: que o brasileiro tinha medo de comprar mel. Existia um mercado abafado e vi que tinha uma oportunidade muito legal de fazer algo diferente”, afirma. Em 2018, ele fez um curso de técnico em apicultura na Universidade de Taubaté, em São Paulo, onde foi aluno da professora Lídia Barreto, fundadora da Escola Brasileira de Apicultura e Meliponicultura (Ebram) e uma das principais referências no assunto no Brasil. Mudou-se, então, para um sítio e deu início a um pequeno apiário.
Um ano depois, em sua primeira produção, Schommer diz ter coletado 1,5 tonelada de mel de 30 colmeias, enquanto os apicultores brasileiros registravam em média um volume de 12 a 18 quilos por ano com cada colônia. Para desovar essa supersafra, ele conta que enchia potes de vidro com o produto e passou a circular por bairros residenciais de cidades da Região Metropolitana, batendo de porta em porta e abordando potenciais compradoras nas ruas. “Na primeira semana, vendi cinco potes, depois 10, depois 15. Em novembro de 2019, resolvi montar um site e comecei a criar um conceito de marca. Em 2020, veio a pandemia (de Covid-19) e vendi 17 mil potes de mel pela internet”, relata o apicultor.
Ao desenvolver o produto, batizado de Mel Flor de Ouro, Schommer diz que buscou valorizá-lo com uma apresentação diferenciada, em contraste com os potes e bisnagas de tampa amarela que predominavam nas gôndolas e geralmente traziam nos rótulos uma referência ao nome científico da abelha africanizada encontrada no Brasil, a Apis mellifera. “Fiz pesquisa em 79 lojas de supermercados da Região Metropolitana, perguntei para 798 mulheres, no corredor de mel, se elas sabiam o que era a palavra Apis, porque 90% dos méis em prateleira tinham o nome”, conta. Hoje, Schommer mantém 230 colmeias, sendo 70 em seu sítio e o restante distribuído entre áreas arrendadas no Estado e no Paraná para a produção de diferentes variedades do alimento.
Neste ano, sua produção total chegou a 15 toneladas de méis monoflorais – mel de uva-do-Japão, de eucalipto, de pimenta-rosa, mel branco e o chamado mel de melato de bracatinga. O de florada de uva japonesa, que em 2019 conquistou o segundo lugar no 22º Concurso Estadual da Qualidade do Mel, durante a 5ª Festimel, em Balneário Pinhal, é oferecido em frascos de 300 gramas e vendido a R$ 44. Para promover as qualidades dos produtos nas redes sociais, onde também mostra seu trabalho com as abelhas, o apicultor afirma que estudou técnicas de marketing digital. “Meu objetivo é fazer o brasileiro comer mel de qualidade. Eu faço o aumento de abelha na natureza. A gente tem todo um propósito por trás. Quando a pessoa prova o produto, ela vê que não é caro, porque está consumindo algo de qualidade”, diz.