Sede da Copa de 2022, Catar vive pressão sem precedentes
Desde que foi anunciado como anfitrião, país vem sendo amplamente criticado por suspeitas de corrupção e denúncias de impacto ambiental e social
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Sob os holofotes do mundo por sediar a maior competição de futebol do planeta, o Catar vive situação paradoxal: fortalecido por uma notoriedade conquistada com grandes gastos, mas mais exposto do que nunca à pressão ocidental. São muitos os questionamentos e críticas acerca dos direitos humanos, a situação das minorias LGBTQIAP+ e dos migrantes que trabalharam na construção de infraestruturas para a Copa do Mundo, a liberdade de gênero e o lugar das mulheres na sociedade catari.
Nos últimos anos, o país investiu pesado não só na realização do torneio, mas principalmente para fazer frente à poderosa vizinha Arábia Saudita. "É uma nova potência, que tem pouca história, então sua imagem não é a mesma que de uma potência mundial", explica Raphaël Le Magoariec, especialista em geopolítica do esporte dos países do Golfo.
Desde o Uruguai em 1930, que contou com apenas três estádios na primeira edição do Mundial, nunca um país tão pequeno organizou a Copa do Mundo masculina. Para tal feito, uma das exigências da FIFA é que o território desértico precisaria de oito estádios com capacidade entre 40.000 e 80.000 lugares.
Muitas críticas
Desde que foi anunciado como anfitrião, em 2010, o Catar vem sendo amplamente criticado por suspeitas de corrupção e denúncias de impacto ambiental e social. A situação dos trabalhadores migrantes, sem dúvidas, é uma das pautas mais discutidas.
Longas jornadas sob temperaturas elevadas, condições precárias e má remuneração são alguns dos pontos denunciados por sindicatos, ONGs e pela imprensa internacional.
A "extrema desigualdade" da sociedade catari, entre os nativos enriquecidos com gás natural e petróleo e o "exército" de trabalhadores indianos, nepaleses e filipinos, é anterior à organização do Mundial, apontou o especialista em direito esportivo Antoine Duval, no início de 2022, na revista 'Transnational Legal Theory'.
Mas a visibilidade mundial da competição "levou esta questão para a esfera pública transnacional", obrigando a FIFA a se pronunciar diante das denúncias do impacto social e pressionando o país para que modificasse sua legislação, lembra o membro do Instituto Asser, na Holanda.
"Nós nos demos conta de que a pressão fez certas coisas mudarem: o governo catai respondeu a todas as denúncias e os trabalhadores não remunerados receberam uma compensação", afirma Lola Schulmann, gerente da Anistia Internacional.
Um "risco de tensão"
O Catar, que suspendeu a proibição de trabalhadores mudarem de empregador e introduziu um salário mínimo mensal de 1.000 riais cataris (cerca de R$1.470), afirma ter feito mais avanços do que qualquer outro país da região e rejeitou o balanço de milhares de mortes em obras, divulgado pela mídia internacional. Uma das preocupações das ONGs é se estes avanços vão permanecer mesmo após o fim do torneio, "quando não há essa luz midiática", aponta Schulmann.
A Anistia Internacional, junto a outras organizações, solicitou à FIFA um fundo de indenizações para as vítimas que sofreram acidentes de trabalho nas obras para a Copa. Medida que "vai avançar", segundo um funcionário do alto escalão da entidade afirmou na quinta-feira passada (13). A mobilização, sobretudo por parte de países escandinavos e da Alemanha, tem gerado críticas na imprensa catari.
Na semana passada, os meios de comunicação ligados ao Governo denunciaram "mentiras, rumores e calúnias" e até mesmo uma "conspiração sistemática" por parte da imprensa europeia.
"Existe um risco de tensão: no Golfo, os cataris se percebem como os mais avançados em matéria de direito trabalhista e têm a impressão de que os ocidentais dão muitas lições, mas não as aplicam", avalia Raphaël Le Magoariec.